sexta-feira, 28 de maio de 2010

AMOR PLATÔNICO

AMOR PLATÔNICO


*Maria Ivanilda Souza da Silva



Na obra “O Banquete” escrito por Platão, Sócrates como em muitos outros diálogos escritos por ele, é apresentado como um dos personagens principais do texto. Na obra o tema abordado é o amor, mas como é habitual, para começar a falar sobre o amor, Sócrates afirma que: “em primeiro lugar se deve dizer qual é a natureza de Eros, e somente depois falar de seus efeitos”. Isto é, antes de tentar explicar as conseqüências do amor no mundo ou o que ele pode acarretar aos homens, é preciso saber quem ele realmente é. Perguntar o que é alguma coisa, é tentar defini-la, é buscar encontrar a sua essência. Essa era uma preocupação primordial da filosofia tanto socrática quanto platônica.

A cultura popular entende que o amor platônico se refere a uma espécie de amor impossível, um amor não correspondido, à distancia. É um amor revestido pela fantasia e pela idealização. O objeto amado seria um ser perfeito, detentor de todas as boas qualidades e sem máculas. Mas, deixando à concepção vulgar a parte, cabe-nos perguntar: o que o filósofo Platão compreende realmente pelo conceito de amor?

Para Platão quem ama, deseja algo que não possui, algo que lhe falta. O desejo humano é impulsionado pela necessidade, pois ninguém busca alguma coisa que já se possui, quando buscamos o dinheiro, por exemplo, queremos ter mais do que o que já temos, ou seja, se temos certa quantia em dinheiro, não queremos jamais aquilo que já possuímos, desejamos sempre aquela quantia a mais que ainda não temos. Ou ainda, quando amamos alguém buscamos nessa pessoa aquilo que falta em nós, aquele elemento que pode nos completar.

A característica do amor como falta, ou ausência de alguma coisa, de acordo com Platão, deve-se à sua origem. Para falar dessa questão, o autor, vai recorrer a um mito, recurso que vez por outra o filósofo utilizava para expressar algumas idéias.

Resumo do mito: Com o nascimento de Afrodite foi dado pelos deuses um grande banquete comemorativo, a que compareceu também Poros (o astuto). Enquanto se banqueteavam, aproximou-se Pênia (a pobreza), para mendigar as sobras da festa.

Embriagado pelo nécta Poros foi deitar nos jardins de Zeus. Foi então que Pênia em sua miséria, desejou ter um filho de Poros. Deitou-se ao seu lado e concebeu a Eros.

Por ser filho de Poros e Pênia, Eros tem o seguinte fado: é pobre, não é belo e nem delicado, é rude e sujo, anda descalço, não tem lar, essas características de Eros foram herdadas de sua mãe. Mas conforme a natureza do pai, Eros dirige a atenção para tudo o que é belo e gracioso, é corajoso e impulsivo, é capaz de encontrar soluções brilhantes para sair das dificuldades e passa todo o seu tempo amando a sabedoria.

Platão não classifica Eros como um deus, mais sim, como uma espécie de gênio que faria a ponte entre os humanos e os deuses. Esse gênio oscila entre a sabedoria e a tolice, isto é, não possui a sabedoria plena, pois esta pertence somente aos deuses, e como sábios estes não são capazes de amar o conhecimento, pois não podem desejar aquilo que já possuem. Nesse sentido, o sábio não filosofa, assim como, também o tolo não filosofa. A tolice, segundo Platão, possui um grande defeito, ao se considerar como alguma coisa de perfeito, não é capaz de perceber-se como incompleta e insuficiente, e como tal não deseja aquilo cuja falta não pode perceber.

De acordo com Platão, só serão capazes de filosofar aqueles que forem intermediários entre a ignorância e a sabedoria. O filosofo é o amigo da sabedoria, é alguém que busca o conhecimento de forma incessante. O filósofo não arroga ser o dono do saber, é humilde o suficiente para perceber as suas limitações e a partir daí busca alcançar aquilo que lhe falta. A presunção da sabedoria e a falta de percepção da ignorância são entraves ao desenvolvimento intelectual dos indivíduos, pois só podemos crescer intelectualmente se conseguirmos verdadeiramente realizar uma análise interior, se formos capazes de reconhecer as nossas limitações intelectuais.

Pode-se concluir que o verdadeiro sentido do amor em Platão, não se refere ao desejo carnal, ou seja, ao amor de uma pessoa pela outra. O amor tem um aspecto mais sublime, somente ele pode levar à plena realização do ser humano, é através dele que podemos atingir o mais alto grau de conhecimento. O amor como desejo daquilo que não se possui, é o que nos impulsiona para a busca, para a constante preocupação com o saber. O amor platônico ou filosófico é um impulso apaixonado da alma para a sabedoria e consequentemente para a virtude. A filosofia não se constitui como uma tarefa de deuses é uma produção puramente humana.

*É filósofa, professora e vice-presidente da Academia Acriana de Filosofia.



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